quarta-feira, 16 de abril de 2008

Para você


Teu Riso


Tira-me o pão, se quiseres, tira-me o ar, mas não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa, a lança que desfolhas,

a água que de súbito brota da tua alegria,

a repentina onda de prata que em ti nasce.


A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados

às vezes por ver que a terra não muda,

mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me

e abre-me todas as portas da vida.


Meu amor, nos momentos mais escuros solta o teu riso

e se de súbito vires que o meu sangue mancha as pedras da rua,

ri, porque o teu riso será para as minhas mãos como uma espada fresca.


À beira do mar, no outono, teu riso deve erguer sua cascata de espuma,

e na primavera, amor, quero teu riso como a flor que esperava,

a flor azul, a rosa da minha pátria sonora.


Ri-te da noite, do dia, da lua, ri-te das ruas tortas da ilha,

ri-te deste grosseiro rapaz que te ama,

mas quando abro os olhos e os fecho,

quando meus passos vão, quando voltam meus passos,

nega-me o pão, o ar, a luz, a primavera, mas nunca o teu riso,

porque então morreria.


[Pablo Neruda]

domingo, 13 de abril de 2008

TREVAS




Eu tive um sonho que não era em tudo um sonho. O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas vaguejavam escuras pelo espaço eterno. Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra, girava cega e negrejante no ar sem lua; veio e foi-se a manhã - veio e não trouxe o dia. E os homens esqueceram as paixões, no horror. Dessa desolação; e os corações esfriaram. Numa prece egoísta que implorava luz. E eles viviam ao redor do fogo; e os tronos, os palácios dos reis coroados, as cabanas, as moradas, enfim, do gênero que fosse, em chamas davam luz; cidades consumiam-se. E os homens se juntavam juntos às casas ígneas, para ainda uma vez olhar o rosto um do outro; felizes quanto residiam bem à vistados vulcões e de sua tocha montanhosa, expectativa apavorada era a do mundo; queimavam-se as floresta - mas de hora em hora, tombavam, desfaziam-se - e, estralando, os troncos, findavam num estrondo - e tudo era negror. À luz desesperante a fronte dos humanos tinha um aspecto não terreno, se espasmódicos neles batiam os clarões; alguns, por terra, escondiam chorando os olhos, apoiavam outros o queixo às mãos fechadas, e sorriam; muitos corriam para cá e para lá, alimentando a pira, e a vista levantavam com doida inquietação para o trevoso céu. A mortalha de um mundo extinto; e então de novo com maldições olhavam a poeira, e uivavam, rangendo os dentes; e aves bravas davam gritos e cheias de terror voejavam junto ao solo, batendo asas inúteis; as mais rudes feras chegavam mansas e a tremer; rojavam víboras, e entrelaçavam-se por entre a multidão, silvando, mas sem presas - e eram devoradas. E fartava-se a Guerra que cessara um tempo, e qualquer refeição comprava-se com sangue; e cada um sentava-se isolado e torvo, empanturrando-se no escuro; o amor findara; a terra era uma idéia só - e era a de morte. Imediata e inglória; e se cevava o mal da fome em todas as entranhas; e morriam. Os homens, insepultos sua carne e ossos; os magros pelos magros eram devorados, os cães salteavam os seus donos, exceto um, que se mantinha fiel a um corpo, e conservava em guarda as bestas e aves e os famintos homens, até a fome os levar, ou os que caíam mortos atraírem seus dentes; ele não comia, mas com um gemido comovente e longo, e um grito rápido e desolado, e relambendo a mão que já não o agradava em paga - ele morreu. Finou-se a multidão de fome, aos poucos; dois, porém, de uma cidade enorme resistiram, dois inimigos, que vieram encontrar-se junto às brasas agonizantes de um altar onde se haviam empilhado coisas santas para um uso profano; eles as revolveram e trêmulos rasparam, com as mão esqueléticas, as débeis cinzas, e com um débil assoprar para viver um nada, ergueram uma chama que não passava de um arremedo; então alcançaram os olhos quando ela se fez mais viva, e espiaram o rosto um do outro - ao ver, gritaram e morreram- Morreram de sua própria e mútua hediondez, sem um reconhecer o outro em cuja fronte grafara a fome "diabo". O mundo se esvaziara, o populoso e forte era um informe massa, sem estações nem árvore, erva, homem, vida. Massa informe de morte - um caos de argila dura. Pararam lagos, rios, oceanos: nada mexia em suas profundezas silenciosas; sem marujos, no mar as naus apodreciam, caindo os mastros aos pedaços; e, ao caírem, dormiam nos abismos sem fazer mareta, mortas as ondas, e as marés na sepultura, que já findara sua lua senhoril. Os ventos feneceram no ar inerte, e as nuvens tiveram fim; a Escuridão não precisava de seu auxílio - as Trevas eram o Universo.


[Lord Byron]